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Por Alyne e por todas as mulheres

Conversamos com Sebastián Rodriguez, advogado e gerente do Programa para América Latina e Caribe do Center for Reproductive Rights (Centro por Direitos Reprodutivos), organização de atuação global que utiliza ferramentas legais para promover direitos sexuais e reprodutivos. Rodriguez representa a mãe e a filha de Alyne da Silva Pimentel Teixeira, morta em 2002, em decorrência do mau atendimento recebido no serviço de saúde. Seu caso, mais um entre tantos, tornou-se mundialmente conhecido por escancarar a diligência e o racismo no sistema de saúde brasileiro.

Alyne tinha 28 anos, era casada, mãe de uma criança de 5 anos e estava no sexto mês de gestação. Uma vida toda pela frente que foi abreviada pelo atendimento inadequado recebido na Casa de Saúde Nossa Senhora da Glória em Belford Roxo, no Estado do Rio de Janeiro.

Como atua o Center for Reproductive Rights, especificamente no caso Alyne?

O Center for Reproductive Rights representa Maria de Lourdes da Silva, mãe de Alyne. Ela levou o caso de Alyne da Silva Pimentel ao  Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Comitê CEDAW ) das Nações Unidas em 2007. Em 2011, o Comitê CEDAW emitiu uma decisão a favor do caso Alyne ao declarar o Estado brasileiro responsável pela violação de vários direitos consagrados na Convenção CEDAW. O caso de Alyne foi  emblemático, tornando-se o primeiro caso mundial de racismo e mortalidade materna decidido por um organismo internacional de direitos humanos. Em particular, o caso de Alyne reconhece a obrigação do Estado de prestar serviços de saúde materna de qualidade, sem qualquer tipo de discriminação, inclusive por motivos de raça, classe ou localização geográfica. O caso de Alyne também reconhece a obrigação por parte do Estado de monitorar a prestação de serviços de saúde por hospitais privados. A decisão do caso obriga o Estado brasileiro a pagar reparações individuais a favor da família de Alyne, assim como obriga a adoção uma série de medidas gerais, incluindo medidas de reformas legais e criação de políticas públicas para garantir que casos como Alyne não voltem a acontecer no Brasil. Desde a decisão do caso, o CRR vem trabalhando na implementação das recomendações emitidas pelo Comitê CEDAW no país. Em um nível individual, o governo federal concedeu uma compensação financeira a favor de Maria de Lourdes da Silva, mãe de Alyne. Além disso, em abril de 2015, o Governo também realizou uma cerimônia simbólica na Maternidade Mariana Bulhões, em Nova Iguaçu, onde foi colocada uma placa em reconhecimento à morte de Alyne. Não obstante, até o momento, ainda existem várias medidas legais e de políticas públicas que o Estado deverá cumprir para, de fato, implementar todas as recomendações.

Alyne morreu em 2002. Ainda há questões, como indenização à família, não resolvidas?

O governo brasileiro firmou um acordo com as pensionistas no qual se comprometeria a pagar reparações para Alice Pimentel, filha de Alyne. Mas até o momento, isso não aconteceu. Há uma ação em curso no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para que seja feito o pagamento por parte do governo mediante a via judicial a favor de Alice.

Você acompanha a fundo a situação das mulheres latinas. No Brasil, por que, na sua opinião as mulheres negras ainda são as maiores vítimas em morte materna?

As mulheres negras são as principais afetadas por essa situação porque lamentavelmente sofrem as consequências de uma sociedade que ainda as discrimina de maneira estrutural por três fatores fundamentais: o gênero, a raça e a classe social a qual pertencem. Quando elas necessitam de serviços de saúde urgentes, alguns desses que só as mulheres necessitam, como os serviços de saúde materna, elas procuram a centros de saúde gratuitos ou de baixo custo e estes geralmente não contam com quadro médico completo ou mesmo a tecnologia necessária que permita oferecer um serviço de qualidade ao paciente. A combinação dessas condições, somada à situação de pobreza e a falta de investimento do governo na prestação de serviços de saúde de qualidade colocam em risco a vida e a saúde das mulheres negras que necessitam de serviços de saúde materna.

As organizações que lutam por direitos das mulheres negras no país ainda lutam pela garantia do respeito aos direitos sexuais e reprodutivos no Brasil. Por que, na sua opinião, os avanços dessa pauta ainda são lentos?

No caso do Brasil, esse atraso se deve a vários fatores principais:

1.Um governo conservador tanto no poder legislativo e executivo.

2.Leis restritivas que ainda proíbem o aborto.

3.Discriminação estrutural contra as mulheres que se reflete no setor da saúde através de:                                                                

  •    No âmbito da prestação de serviços de saúde, a falta de capacitação dos profissionais de saúde que prestam serviços de saúde reprodutiva. 
  • Falta de acesso gratuito aos serviços de contracepção.                                                             
  • Objeção de consciência por parte de provedores de saúde, hospitais e clínicas.                                                             
  • Falta de sanções aos provedores de saúde que não prestam serviços de saúde reprodutiva nos casos exigidos por lei.
  • Fortalecimento de grupos evangélicos com capacidade de influenciar a agenda legal e política, com forte ênfase na geração de restrições que permitam o acesso das mulheres aos serviços de saúde reprodutiva.

Um dos motivos da sua visita ao Brasil também foi a publicação que será lançada em outubro que trata das consequências do zika vírus, especialmente entre mulheres pobres. Pode adiantar algo sobre ela?

De fato, em outubro deste ano estaremos lançando oficialmente o relatório “Vozes Negadas: O Impacto do Zika na Saúde da Mulher no Brasil” em parceria com a Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard e a Faculdade de Direito da Universidade de Yale. A partir de uma abordagem de saúde pública e direitos humanos, o relatório analisa a situação no Estado da Bahia, no nordeste do país, e relata as histórias de mulheres que sofreram com as consequências do vírus Zika e não puderam acessar os serviços de saúde reprodutiva. O relatório contém uma série de recomendações ao governo para que estas sejam implementadas a fim de tornar visíveis as violações dos direitos dessas mulheres.

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